Gostar de ciências é ter curiosidade de saber o que somos,
de onde viemos e para onde vamos, bem como entender como
funciona o planeta, o ambiente em que vivemos e os fenômenos que que nele ocorrem. É cuidar do meio ambiente, é gostar de tecnologia(computador, celular, mp4, etc) e eu gosto.... e vocês?
Esse blog é para quem é amante de tudo que acabei de comentar, em fim para quem tem afinidades por pelo menos um destes assuntos.
AS DIFERENTES MANEIRAS DE SE ESTUDAR A INVENÇÃO CIENTÍFICA
Carlos José Saldanha Machado
Durante as duas últimas décadas do século XX, o qual poderíamos chamar, sem nenhum exagero, de século das turbulências, a questão da invenção científica passou a ocupar as preocupações do meio acadêmico, sobretudo europeu e anglo-saxão. À imagem das próprias ciências que se prestam a múltiplos usos e definições, em função das tradições histórico-culturais de cada país, as abordagens adotadas são as mais diversas. Nesse sentido, o presente artigo tem por objetivo dar uma visão de conjunto de algumas das diferentes maneiras de se estudar a invenção científica praticadas por filósofos, sociólogos, historiadores, antropólogos e psicólogos. O fio condutor da leitura dos textos dos autores escolhidos está centrado na identificação das respostas que são dadas para a seguinte questão: como se inventa uma idéia científica nova?
Inicialmente, as diferentes tradições filosóficas procuraram definir em que consiste a especificidade do saber científico em relação às outras atividades humanas. Os filósofos basearam suas reflexões, com freqüência, nas teorias estabelecidas. Foi assim que, se apegando ao modelo da ciência da natureza, a revolução galileana, Descartes (1, 2) procurou construir sua Mathesis Universalis. O que o interessava nas matemáticas era o método que elas praticavam permitindo chegar à certeza. Refletindo, então, sobre as operações do espírito, por meio das quais o matemático alcança a certeza, Descartes chega a extrair os preceitos do método racional cuja ambição é a de chegar ao ponto mais impessoal do espírito. A única operação do espírito que nos assegura plenamente a verdade é a intuição evidente. A intuição é a própria visão de uma evidência, sendo a evidência o que salta aos olhos. A evidência é aquilo que eu não posso duvidar, de maneira que a dúvida torna-se o fundamento do método. É na subjetividade que Descartes encontra os fundamentos do conhecimento.
Por sua vez, a questão fundamental colocada por Kant (3, 4), relativa ao status da metafísica – "a metafísica é possível como ciência?" – que determinará o critério de cientificidade do conhecimento, tem como referência a física newtoniana e seu sucesso. Kant atém-se a extrair da teoria de seu tempo os fundamentos operacionais que a tornou possível. Ao crer na verdade dessa nova teoria, ele identifica a estrutura de nossos espíritos à validade a priori de nossas teorias: o julgamento sintético a priori, estruturalmente conforme aos dados da experiência, garante o crescimento do conhecimento. Kant remete a possibilidade da ciência à racionalidade do sujeito. Esta concepção da ciência não coloca questões sobre a invenção no conhecimento porque invenção e conhecimento são dois conceitos superpostos. Inventar e conhecer são uma e única coisa. A reflexão sobre o conhecimento tem início a partir de teorias científicas novas (Galileu por Descartes, Newton por Kant). A possibilidade da ciência é procurada no espírito do sujeito.
Antes de prosseguirmos, convém observar que a filosofia ignorou a questão da invenção por duas razões principais. Primeiro, porque a validade das teorias científicas é garantida pela pureza e racionalidade de sua origem. A ciência está inscrita na natureza do conhecimento racional, e a novidade ou a introdução por um ato de pensamento sobre qualquer coisa, ainda não presente, é impossível. Segundo, a dinâmica da ciência é pensável, mas uma ruptura é instaurada por Popper (5, 6, 7) entre o contexto da descoberta e o contexto da justificação. O contexto da descoberta, impuro, é então colocado fora do campo da racionalidade científica e, por isso mesmo, fora de toda explicação racional. A invenção como processo intelectual é assimilada à imaginação, aos fantasmas e aos prejulgamentos de um indivíduo. Não obstante ser irracional e misteriosa, ela é o motor da mudança, mas precisa ser apagada para que a ciência se torne visível. A validade não tem mais nada a ver com a origem. Esta epistemologia dá, no entanto, à invenção um caráter de acontecimento singular, até mesmo heróico. Um ato fundador rompe com as normas estabelecidas e refunda a ciência. Mas esse ato permanece um mistério.
Por sua vez, com a psicologia da criação (8), alguns estudos chegam a colar questões sobre o psiquismo de toda e qualquer pessoa ao invés do psiquismo "dos inventores" e, o "ato criativo", ao invés do "ato criador". Com os cognitivistas (9), o ato criador tornar-se passível de decomposição e reprodução ou, com os defensores da criatividade (10), ele se desloca à vontade. A aparição de uma idéia nova torna-se o fruto de um mecanismo intelectual, explicável e banal, sem nenhuma especificidade. A questão do porquê dessa pessoa inventar e aquela outra não, é respondida com um pergunta mais abrangente: por que todo mundo não inventa?
Já a sociologia dos cientistas ou sociologia clássica das ciências (11) foca seus estudos sobre o meio e as formas de organização social da pesquisa, que permitem e favorecem a produção de novos conhecimentos. Esses sociólogos introduzem na cena acadêmica uma nova problemática, aquela que dá ênfase nos procedimentos, nas normas, no sistema de recompensa, nos mecanismos de distribuição e de reconhecimento constitutivos da invenção. Contudo, ficamos sem compreender como se inventa e por que este indivíduo inventa, ao invés daquele. Os indivíduos estão totalmente absorvidos no social e o conteúdo da ciência nunca é abordado. Em ambos os modelos, o da psicologia da criação e o da sociologia dos cientistas, o ato inventivo consiste em revelar o que já está objetivamente presente.
Procurando dar conta da questão deixada de lado pela sociologia dos cientistas, emerge no final dos anos 1970, uma nova sociologia das ciências (12), cuja forma teórica mais acabada é a sociologia da tradução ou teoria das redes (13). Sociólogos e antropólogos passam a se interessar pelo processo da concepção científica habilitando o papel das práticas, do coletivo e dos procedimentos (14). Trata-se de estudar a ciência enquanto está sendo feita, e de rejeitar a origem das idéias novas por considerá-la fora de seus propósitos. Essa origem é um mito. As fontes da inovação são múltiplas e indeterminadas porque, uma vez que tudo é flutuante na dinâmica da história, é a própria questão do encerramento de uma controvérsia e do estabelecimento de um acordo que é problemática (15). A descoberta (a invenção que se torna "verdade revelada") é uma construção social. Para a nova sociologia das ciências, as operações intelectuais postas em ação pelos cientistas na elaboração de um fato científico fazem parte de um processo corriqueiro. Além disso, o pensamento individual resulta de uma forma particular de apresentação e de simplificação de toda uma série de condições materiais e coletivas. O que se chama "processos cognitivos" não é outra coisa senão um trabalho concreto sobre objetos construídos e exteriorizados, que são as inscrições literárias (16). O pensamento criativo individual torna-se uma narrativa particular ou o fruto de um processo de atribuição arbitrária. A invenção como o resultado de um momento histórico-geográfico localizado é igualmente um instantâneo arbitrário. Enfim, a qualificação da pessoa como sendo o inventor é problemática. É a rede ou as redes que a pessoa representa que a qualifica como tal (17). Um ator é um ponto na intersecção de dois movimentos: conectar, desmontar e associar novas redes. A realização desses movimentos torna-se o resultado de uma capacidade estratégica.